Na ensolarada tarde do dia 10 de julho de 2020, a qual se apresentava enquanto lampejos de esperanças para as 63 famílias da comunidade Nova Coruja, onde comumente, têm sido vitimadas por diversas violências e processos de negação de direitos, quer sejam estes pelo não acesso à saúde de qualidade ou pelo não-direito a habitação, por exemplo. As quais ainda se apresentam muito maiores, quando se está em voga o atual momento pandêmico. Nesse sentindo, essas famílias por mais uma vez, tiveram suas experiências atreladas a um cenário político regional deficitário e excludente e ao qual persiste em se desdobrar pelo viés da morte.

Para o Estado, essas vidas parecem não importarem, são vidas não passíveis de luto, nem tão pouco de direito de permanecerem “vivendo”.E por mais uma vez, somos todos testemunhas da intransigência, da falta de comprometimento ético-político, da ausência de empatia, de solidariedade e do individualismo excessivo que inunda e corrompe as ações estatais.

Nós, do Grupo de Estudo e Pesquisa Questão Agrária, Urbana e Ambiental / Observatório dos Conflitos da Cidade, vinculado ao PPG em Política Social e Direitos Humanos da UCPel e a Rede Habitação de Interesse Social, fomos tomados e afetados enquanto testemunhas dos feitos da morte.

Justamente, porque acompanhávamos a comunidade que tenta se reerguer e encontrar motivos para acreditar em dias melhores. Comunidade essa, que procura resgatar a alegria e recuperar as forças para manter-se de pé, com vida, mesmo após ter tido sequestrado os seus seis meses de luta por um teto. Luta essa, que se perfaz pela ausência de proteção contra um vírus letal, por um direito Constitucional que o Estado teima em negar-lhes, a própria habitação, e que ainda, os usurpa, ignorando seu dever de garantidor. Nesta tarde, nos achegamos a comunidade para levantar cadastro das famílias e entender como se expressara a complexidade dos eventos que se abatem sobre elas, com o intuito de buscar a construção de alternativas para cada caso. Justamente, escolhemos esta tarde para dar início a esse trabalho, pelo fato de que as famílias haveriam de se reunir para receber da Prefeitura Municipal “pequenas cestas de alimentos”. Pequenas, porém, fundamentais para manutenções de suas sobrevivências. Assim, fazíamos os cadastros e acompanhávamos o recebimento dos alimentos, que se dava com alegria por parte da comunidade que o recebia. Até que a contumaz violência estatal se irrompeu novamente quando os funcionários responsáveis pela distribuição dos alimentos negaram-se a entregá-los as famílias das quais os titulares dos cadastros não estivessem presentes.

Contudo, tal ato movido pela burocracia estatal a qual se por um lado sublinha as mazelas acima elencadas, por outro, escancara os projetos de morte instituído pelo Estado, e nesse sentindo, questionamo-nos: Ora, será que julgavam estarem aqueles que se expunham a tamanho risco a tentar ludibriar os servidores?Não estavam lá, tais servidores, justamente para fazer a distribuição e garantir um direito a tal comunidade?

Diante de tanta tecnologia que se nos coloca à disposição, não haveriam formas de se buscar contornar a situação e evitar mais uma vez a negação de direito das famílias?A falta de vontade para se contornar e resolver o problema criado pelo ente municipal não deixou alternativa para as famílias, que desse modo, fora novamente exposta a possibilidade de um novo vilipendio. Sem opção, senão de adentrar o caminhão do poder público e tomar o que é seu, a comunidade agiu com as possibilidades que tinham no momento, movidos pela defesa de mais um direto a ser negado, materializando assim, a sobreposição de violações que vulnerabiliza ainda mais a comunidade em questão, sobretudo quando trata-se do acesso ao alimento.

Frente a violação da segurança alimentar a população fez valer a “soberania popular”, decidindo que o alimento não era “propriedade do Estado”!E nós, dos grupos anteriormente citados, diante do testemunho de mais um processo de escrachada negação de direitos, viemos por meio deste, manifestar nosso repúdio a mais um ato de atentado contra a vida da população de nosso município, capitaneado por agentes do poder público.